Caminho a Dois, 4.286 km pela Pacific Crest Trail
Por: Edinho Ramon
Um sonho pra quem ama a natureza e esportes outdoor. Só assim pra definir o que estamos vivendo. Tudo começou num dia de chuva num diálogo com Bia, minha esposa:
– Vamos fugir pra um lugar de muita natureza.
– Vamos.
– Você tá falando sério?
– Tô! E você, tá falando sério?
– Tô!
Assim surgiu o Caminho a Dois, 4.286 km pela Pacific Crest Trail. A PCT é uma trilha de longo curso que corta a Costa Oeste dos Estados Unidos, no sentido longitudinal, pelas cristas das montanhas, desde a fronteira do México até a fronteira do Canadá.
A trilha passa pelos Estados da Califórnia, Oregon e Washington, sendo o primeiro dos Estados dividido em três partes: Deserto, Sierra e Norte da Califórnia (NorCal).
Nesse momento estamos recuperando as energias e reorganizando nossa logística após percorremos pouco mais de 1/3 da jornada.
Números
Distância da fronteira com México: 1459,2 km
Distância total do Deserto: 1130,1 km
Distância percorrida na Sierra: 329,1 km
Altimetria positiva acumulada: 40.972,7 m
Altimetria negativa acumulada: 41.730,5 m
Dias: 75
Período: 5 de abril à 18 de junho
Média km/dia total: 19,4 km
Zeros (dias de descanso): 8
Neros (distância < 15 km): 8
Média km/dia andados: 22,1 km
Dia mais longo: 35,3 km
Dia mais curto: 2km
Temperatura mais quente: 39º C
Temperatura mais fria: -15º C
Pacific Crest Trail
A PCT é o pano de fundo para a história contada no livro e depois filme Livre, em inglês Wild. Quando começamos a buscar uma opção pro diálogo que deu origem à aventura, a Bia lembrou do livro que lera e falou “porque não a PCT”. Aqui viemos parar.
A maior dificuldade que encontramos foi nos organizarmos pra conseguir passar 6 meses “fora” de nossas vidas. Se tratando da aventura, a logística era o que mais nos assustava.
Logística
O maior desafio antes de começar a pernada foi entender e organizar a nutrição e a reposição de material. Uma jornada na natureza selvagem programada para durar 24 semanas, parecia complexa e assustadora. Na verdade não está sendo.
É bem verdade que nossa vida foi muito facilitada por um casal de trail angels (pessoas que apoiam os caminhantes da PCT) de San Diego. O Scout e a Frodo. Eles têm um site sandiegopct e oferecem suporte para quem deseja realizar a PCT. Buscam na estação de trem, oferecem o endereço deles para que possamos comprar materiais on line, dão comida e hospedagem (no caso de estrangeiros por até 3 dias), tudo isso sem aceitar nada em troca. Na verdade, a única coisa que aceitam é que ajudemos na preparação da comida e doações direto para a PCTA (associação que cuida da trilha).
Uma das possibilidades de reabastecimento é enviar caixas com comida/material para caixas postais, post office (parecido com uma agência de correios no Brasil) e/ou lojas que aceitam guardar encomendas. A outra opção é ir parando nas cidades e comprar conforme vamos avançando. Nossa opção foi a segunda e até agora está funcionando bem.
Foi mais fácil ressuprir no trecho inicial, do deserto porque a PCT cruza por rodovias, estradas e ruas de terra em vários pontos. A consequência disso é uma grande facilidade de ir às cidades, bem como grande incidência de trail angels e trail magic (cachês de água e comida que as pessoas colocam na trilha para os caminhantes).
No trecho da Sierras, subimos bastante e caminhamos grande parte do tempo acima de 3.000 m de altitude. Para acessar cidades é preciso sair da trilha e percorrer trilhas alternativas que levam até estações de esqui ou áreas de camping, de onde precisamos pegar ônibus ou carona para chegar nas cidades. Outro fator que dificulta é a obrigatoriedade de conduzir a comida nos Bear canisters (recipiente cilíndrico resistente para proteger a comida dos ursos). Adotamos a estratégia de levar 11 dias de comida e apesar de reduzirmos nossa capacidade de deslocamento evitamos preciosos km e horas fora da trilha.
A alimentação, principalmente nas Sierras, tem sido basicamente muito chocolate, batata e macarrão. E as demandas de material até agora foram isolante, par de tênis e roupas. Na Sierras, além dos Bear canisters precisamos de micro spikes (uma corrente que presa ao tênis ajuda na aderência em lugares com neve). Já emagrecemos bastante, mas chegamos acima do peso pra não ter problemas com isso.
A trilha
Começamos na fronteira com o México, no dia 5 de abril. O primeiro trecho é conhecido como deserto. Nossa expectativa era tudo árido, marrom e muito calor. A Bia dizia que estava esperando um clima parecido com o que vivemos num bikepacking que fizemos pelo Jalapão. Na verdade o que nos pegou foi o frio. As noites eram bem geladas, na pior delas nossa água congelou do lado de fora da barraca.
Outra surpresa do deserto foi a diversidade de flora e fauna. Ficamos encantados com a quantidade de verde e de belíssimas flores.
A variação de quantidade e espécies estava diretamente relacionada a altimetria. Quanto mais subíamos, mais verde, com pinheiros e uma vegetação que lembrava o sul do Brasil. Quando mais baixos, a vegetação espinhosa com cactos nos lembrava o cerrado e a caatinga.
Em relação aos animais, encontramos 21 cobras, sendo 8 cascavéis. Vimos 3 coiotes, mais de 100 esquilos de diferentes tamanhos e espécies. Incontáveis calangos, alguns ratos e coelhos e um sapinho. Um casal de amigos teve a sorte de ver um urso no local que estava acampando, mas nós ainda não conseguimos ver.
Inúmeras flores, de todos os tipos e cores também enfeitaram os caminhos por onde passando, nos dando a certeza de que marrom e árido, só no nosso imaginário mesmo.
A trilha no deserto não é técnica e apesar de variar muito na altimetria existem poucas subidas muito inclinadas. Nos momentos que a variação em elevação é muito acentuada, a trilha se desenvolve fazendo zigue-zague, o que ameniza a inclinação. Em relação a navegação e orientação é bem didática e muito bem sinalizada. Difícil imaginar alguém se perdendo nesse trecho.
Um ponto de dificuldade é a escassez de cursos d’água. O que demanda um estudo e planejamento detalhado para evitar a desidratação. Consultamos o PCT water report e as informações do App Guthook para esse fim e foi suficiente.
Na Sierra Nevada a história muda um pouco. A altitude, o peso dos equipamentos de neve e a neve aumentam a dificuldade. Trechos técnicos, frio e grandes variações altimetricas fizeram nosso rendimento diminuir. Por outro lado os visuais são paradisíacos e os onze dias sem ter contato com civilização nos permitiram experimentar uma imersão incrível na natureza.
A rotina nas Sierras mudaram um pouco. Existem passagens nas montanhas conhecidas como Passo. Nessa época do ano, eles ainda possuem neve. Para evitar passar pela neve com ela derretendo dormíamos o mais perto possível dos passos, acordamos cedinho para passar na primeira hora, com a neve bem densa. Por um pouco de descuido e outra dose de desconhecimento, começamos o Muir Pass mais tarde e vivemos algumas horas complicadas.
A neve começou a derreter com o sol e andamos cerca de 6,5 km afundando até a coxa. Uma sensação bem desagradável, sem contar o esforço triplicado. Mas ficou o ensinamento.
A experiência
É difícil descrever o quanto essa vivência está agregando para nossas vidas. Tanto individualmente quanto como casal. Nossos principais objetivos eram experimentar o minimalismo, a desconexão e praticar o mínimo impacto. Reduzimos ao máximo nossos materiais e só utilizamos internet nos momentos de ressuprimento nas cidades, quando alimentamos nosso portal Sua Casa é o Mundo, bem como as mídias sociais com fotos, notícias e vídeos.
Andar, comer, dormir e repetir, como eles brincam por aqui, é simples. Porém, por vezes, simples é oposto de complexo mas não necessariamente sinônimo de fácil.
Acrescentamos às atividades escrever, filmar e fotografar para produzir um livro, um documentário e exposições fotográficas que serão os produtos gerados por esse desafio. Tudo isso com o objetivo de expandir e fomentar a cultura outdoor no nosso país.
Vamos pro mato gente! Abraços e bons ventos!
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