Rafael Vargas, primeiro brasileiro a completar a Tromso Skyrace
Demoraram alguns quilômetros e também alguns metros de desnível para acreditar que eu realmente estava na Tromso Skyrace!
Meu nome é Rafael Vargas, sou graduado em Educação Física, especialista em Fisiologia do Exercício e atleta nas horas vagas (nunca suficientes).
Após participar de provas como a Ultra Fiord em 2017 (70 Km), a UTMB CCC em 2017 (101 km) e Patagonia RUN em 2018 (100 Km), e algumas outras Ultras não menos belas aqui pelo Brasil, o desafio de participar da Tromso Skyrace passou a circundar as minhas ideias.
Além da beleza natural da região, parecia-me fascinante correr esta outra modalidade (skyrunning) pelos olhos de Kilian Jornet e Emelie Forsberg – que neste ano não estavam por lá por conta de outros compromissos em seus calendários competitivos (Kilian fez uma live para os atletas no dia do briefing).
Para um brasileiro, a logística para chegar até Tromso é um pouco complexa e quem quiser chegar lá tem que estar disposto a longos deslocamentos e conexões. Chegando na capital Oslo, existem voos para Tromso – uma ilha ao norte da Noruega rodeada por montanhas. A viagem é longa, mas é recompensador: o cenário é sensacional!
Nesse período, na Noruega, é verão, com dias longos e noites curtíssimas devido ao Sol da Meia-Noite, e a temperatura é agradável (por volta de 15 Co).
Eu fui para lá com dois objetivos. Na quinta-feira, 1º de agosto, o objetivo era completar a Blamann Vetical Kilometer – 2,7 Km com 1.044m de desnível positivo. Sem ambição em relação à performance, a ideia de participar dessa prova era conhecer um pouco o terreno e a inclinação. Em uma “escalaminhada” até o topo do Blamann, fechei a prova em 1 hora. Concluído o primeiro objetivo, o foco então passou a ser descansar e realinhar o corpo e as estratégias para o grande dia.
Tromso Skyrace
O meu desafio principal era no sábado dia 3/8: Tromso Skyrace – Hamperokken – 57 Km com 4.800 m de desnível positivo. A prova foi intensa, com grande variação altimétrica e com terrenos muito técnicos e variados.
A largada foi dada pontualmente às 8 horas da manhã e, sem qualquer preocupação com o anoitecer – já que isso não acontece por lá nesse período – , a minha meta era concluir a prova dentro do tempo limite (aproximadamente 13 horas). O tempo limite é apertado considerando a intensidade da prova, a qual é propositalmente assim planejada por Kilian.
Estratégia de prova
A minha estratégia era iniciar a prova em um ritmo um pouco mais firme para garantir um bom lastro de tempo e conseguir subir com tranquilidade a Hamperokken, já que esse seria um trajeto tecnicamente lento e arriscado. Além disso, a passagem pela Hamperokken Ridge merecia também ser apreciada.
Consegui cumprir os objetivos até o Km 17, nos quais ascendi de 0 a 1.404m de altitude acima do nível do mar em aproximadamente 6Km. Cheguei ao cume da Hamperokken com aproximadamente 5 horas e 45 minutos de prova, marco aproximado da metade do trajeto.
O ritmo das subidas foi um tanto quanto lento, marcado pelo grande percentual de inclinação, por trechos muito técnicos e pela necessidade constante do uso das mãos. Essa necessidade – que eu já imaginava que fosse existir – fez com que eu optasse por não fazer uso de bastões, os quais auxiliariam no desempenho, mas limitariam os meus membros superiores, pois não teria as mãos livres caso o uso delas fosse necessário. Ponderando os dois, priorizei a segurança em detrimento da melhora no desempenho.
Nas descidas, houve grande exigência técnica e constante variação de terrenos – sempre com muitas pedras, várias delas soltas – tornando o ritmo igualmente lento.
Concluída a primeira parte com certa folga em relação aos pontos de corte, consegui administrar mais facilmente a prova até o final, a qual foi marcada ainda por uma subida muito intensa – pela segunda vez – ao cume da Tromsdalstind (1.238m).
A primeira vez foi no início, antes de subir a Hamperokken. Nessa segunda vez, eu já estava bastante desgastado pela intensidade da prova. Mas após descer do cume, os trechos seguintes eram mais “corríveis”, marcados por trilhas, por bosques e por um vale de montanhas, em direção ao centro da cidade – local da largada e também da chegada – finalizando assim essa jornada épica.
Treinamento e preparação
Quanto ao treinamento e à preparação, sempre ficam aprendizados. Pude constatar o quanto aquele ambiente da corrida tornou-se natural para os atletas da região e o quanto – justamente pela familiaridade com o ambiente e pela possibilidade de treinarem no local e desenvolverem suas técnicas – eles conseguem progredir com maior naturalidade e com segurança pelos percursos, sem necessidade de consecutivas olhadas para o chão para achar a melhor forma do pé entrar e sair de cada obstáculo com eficiência.
O alto desempenho dos atletas da região também pode ser atrelado à situação que presenciei em alguns passeios e até mesmo durante a prova: várias crianças e adolescentes fazendo trekking, corrida e trafegando com naturalidade naquele ambiente.
Os grupos musculares acionados neste tipo de prova aumentam consideravelmente o gasto energético corporal. Inclusive pelas dores musculares é possível diagnosticar que os mecanismos de alavancas recrutados por conta do percentual de inclinação e da variação do terreno são diferentes dos encontrados nos nossos ambientes de treino.
Tromso Skyrace Highlights
Todo brasileiro, atleta ou não, que se sujeite a participar de uma prova de montanha fora do Brasil já deve ser admirado. Participar dessas provas, marcadas por longos trechos em desnível e com percentuais de inclinação dificilmente atingidos de maneira natural ou com boa acessibilidade por aqui, faz com que a rotina de treinos seja um desafio muito mais difícil, pois são necessárias adaptações e alta intensidade para que não sejamos surpreendidos por lá.
Mesmo assim, posso afirmar que o dia da prova é o que mais tem o condão de adestrar – e muito – os nossos conhecimentos em relação à corrida de montanha.
Foi sensacional viver essas experiências e consegui compreender tudo o que ainda posso melhorar e adaptar nos treinos durante o período de preparação. A cada experiência eu ganho sempre novos aprendizados e acredito que este ciclo é eterno.
Todas as provas intensas – fisicamente e mentalmente – deixam marcas permanentes. Viver a experiência de realizar a Tromso Skyrace foi transcendental.
Quanto a ser o primeiro brasileiro a completar integralmente o trajeto, não era o principal intuito, tampouco foi programado, mas aconteceu. O feito maior era realizar um sonho, completar uma prova sensacional, visitar picos extraordinários sendo carregado por minhas próprias pernas e, principalmente, viver uma experiência que me tornasse alguém melhor.
Com eterna gratidão hoje eu digo que eu consegui.
Instagram:
@vargasrafaell
@flowinthemountains
Sobre a corrida: https://tromsoskyrace.com/
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