Você já ouviu falar em DUPLA TAREFA no Trail Running?
O Trail Running é um esporte extremamente complexo e cheio de nuances. Na minha linha de raciocínio e treinamento gosto muito de estudar e entender os fatores que ajudam a economizar energia, afinal quanto mais longa for a prova, mais importante vai ser economizar cada gota de “combustível”.
Seja pela dieta, seja pelo metabolismo, por via mecânica ou de ordem mental, economizar energia em todos esses campos é fundamental para melhorar sua performance.
Além disso, ainda podemos separar o trail como o triatlo, em modalidades completamente distintas, unidas a um mesmo esporte, ou seja, corrida no plano, na subida e na descida. Tudo isso com suas variáveis: na trilha, no asfalto, no estradão, a noite e de dia.
Mas, você corredor já ouviu falar de “dupla tarefa”?
Neste texto vamos abordar este assunto que está sendo recentemente estudado pela ciência para entender melhor os mecanismos de ação e como treiná-los.
Vamos lá:
“Parte do treinamento de um corredor consiste em expandir os limites da mente”
Kenny Moore
A corrida é uma tarefa extremamente mental, qualquer pessoa que corre pode afirmar isso. E, não é difícil encontrar relatos como: “corrida é 70% mental e 30% físico”.
Estamos em 2020 e, a ciência não comprovou isso. Mas, já comprovou que, após um treino (ou uma sequencia deles) de corrida, da inicio a neurogênese e, consequentemente deixa você mais “inteligente” (Vale a pena procurar o programa “Zero hour” dos EUA), diminui o stress, ansiedade, depressão e uma série de problemas de ordem mental. Além disso, diversos “insights” e resoluções de problemas acabam vindo durante um treino, se você ainda viveu isso, pode ver diversos exemplos em best sellers de auto ajuda, empreendedorismo e evolução pessoal.
O que quero dizer com isso, é que um dos fatores que determinam a sua performance é sua mente. Portanto, passa a ser fundamental treiná-la. Existem diversas formas pra isso, como meditação, mindfulness, visualização, entre outras…
Mas, e aí? Já tem ideia do que seria a “dupla tarefa”?
A definição teórica poderia ser: Dupla tarefa pode ser cognitiva ou motora. Motora é quando, por exemplo, caminhar e fazer algum movimento pré determinado com os braços. Cognitiva, por exemplo, pode ser andando e falando no celular, onde a atenção é dividida no que está falando e, ao mesmo tempo caminhando que é algo automático.
Na prática e, no caso especifico do Trail, você corre, olha para o chão para ver onde pisa, calcula a próxima passada para ver onde pode pisar, levanta a cabeça para ver as fitas de marcação, desvia de um galho, observa seu corpo para ver se esta indo rápido ou devagar demais, vê o adversário, pensa no trajeto, na quilometragem, nas subidas ou descidas que estão pela frente, pensa se deve comer, se hidratar, trocar de roupa, tirar ou botar o casaco, onde está a mariola na mochila…. E, às vezes tudo isso em uma fração de segundo ao mesmo tempo. Quem nunca? Pois então, essa é a definição prática de Dupla Tarefa.
Na verdade o termo deveria ser MULTI tarefa.
Enfim, essa é a especificidade do nosso esporte. Para fins de treinamento, é fundamental que se treine o mais especifico possível para as provas. Obviamente, podemos adaptar dentro de academia ou em meio a cidade (afinal, a calçada das cidades é muito mais acidentado que as trilhas).
Como disse anteriormente, no Trail Running isso ainda é pouco estudado. Porém, já temos indícios de que a dupla tarefa é extremamente afetada quando você corre em terrenos técnicos.
Em uma pesquisa de mestrado realizada na University of Canterbury, na Nova Zelandia, comparou o desempenho de atletas experientes em diversas situações, Em uma delas foi comparado a distância nas seguintes situações: correndo tendo uma tarefa cognitiva difícil, correndo tendo uma tarefa cognitiva fácil e sem tarefa cognitiva. O resultado foi que quanto menos trabalho cognitivo maior é a distância percorrida.
Aqui podemos tirar uma grande lição principalmente se extrapolarmos para provas de longuíssima duração, principalmente as provas baseadas em horas, que ganha quem fizer a maior distância. Portanto, quanto menos coisas o atleta se preocupar durante a prova, maior a probabilidade do atleta desenvolver sua melhor performance.
Este mesmo experimento foi realizado em uma pista lisa e, praticamente não houve modificação na dupla tarefa.
O estudo conclui que correr realizando alguma outra tarefa diminui a velocidade dos atletas, porém essa perda de velocidade só é estatisticamente significativa no grupo que realizou o teste em térreo técnico.
“A teoria sem a prática vira “verbalismo”, assim como a prática sem teoria vira ativismo. No entanto, quando se une a prática com a teoria tem-se a práxis, a ação criadora e modificadora da realidade”
Paulo Freire
Trazendo para realidade e especificidade do esporte, podemos entender que melhorar a sua dupla tarefa no trail consiste em tentar deixar a corrida em terrenos acidentados o mais “automático” possível, para isso é necessário ficar mais horas treinando em trilha.
Caso isso não seja possível, pode se usar escadas de agilidade e pequenos circuitos com desafios integrados para desenvolver especificamente a velocidade de reação aliada a propriocepção e agilidade. Isso pode ser desenvolvido trazendo a “trilha” para dentro da sua academia.
Divagando um pouco sobre treinamento, talvez seja uma boa opção para os treinadores realizar estímulos de velocidade em terrenos acidentados, obviamente esse tipo de treino deve ser incorporado somente a atletas de alto nível, pois os riscos são grandes.
Outra proposta seria incorporar a MTB aos treinos, assim, você desenvolve a acuidade visual em uma velocidade muito superior a da corrida, o que geraria uma tomada de decisão muito mais rápida.
De qualquer forma, a “dupla tarefa” é pouco treinada pelos atletas de hoje. Mas, é mais uma coisa para estar atento, pois certamente é algo que vai ser cada vez mais pesquisado e trazido para prática do treinamento.
Qualquer dúvida ou sugestão pode enviar uma mensagem pelo instagram @CristianoFetterCoach
Referências utilizadas para esse texto:
Livro: “training for
the uphill athlete a manual for mountain runners and ski mountaineers”
Blakely, M. J. (2014). Born to
Run-Dual Task Cognitive Effects of Ecological Unconstrained Running.
RATEY, J. J., & HAGERMAN, E. (2007). Corpo Ativo Mente Desperta–A Nova Ciência do Exercício Físico e do Cérebro. Rio de Janeiro: Editora Objetiva.
Parabéns pela excelente matéria. É sempre importante lermos assuntos que nos levem a evolução.
Abraços!
Bela matéria , e com certeza com o crescimento do TRAIL a tendência é que percursos cada vez mais técnicos surjam , assim como ocorre no MTB