Conheça Thiago Orgelio, primeiro brasileiro a cruzar a linha de chegada da Valholl Fin del Mundo 2025

“Apenas” 19h00m54s. Esse foi o tempo que Thiago Orgelio levou para completar os épicos 130 quilômetros da Valhöll Fin del Mundo by UTMB 2025, conquistando a 11ª colocação geral e melhor brasileiro na prova.

Thiago hoje é um contador que divide a vida profissional e pessoal com seus treinos planilhados desde 2024 por Maicon Cellarius da Life Runners. Ele nem sempre está nos holofotes, mas tem uma grande experiência em provas de Endurance outdoor. Sua base são as corridas de aventura, prova multiesportiva em equipe que envolve corrida em trilha, canoagem, mountain bike, orientação e qualquer outra modalidade não-motorizada e que pratica desde 2014.

A participação em provas de Trail Running teve início há 2 anos. Apesar do pouco tempo, Orgélio já tem em seu currículo grandes provas nacionais e internacionais como 176 km UTMB Chamonix; 160 km UTMB África; 130 km UTMB Valholl Cordoba; 80 Km Indomit Pedra do Baú e 50 Km Mons Ultra Trail. E a vontade de ter a experiência de correr em uma região muito fria, técnica e com paisagens exuberantes o levou à Valholl Fin del Mundo em Ushuaia.

O nível da prova estava muito alto. Thiago era o número 33 e isso significava que teriam 32 pessoas com Index melhores, incluindo o brasileiro Celinho (número 6) e a Leticia (número 10). A prova tinha ainda um ganho de elevação de 5.450 metros, sendo que teriam 4 grandes montanhas. A estratégia era se posicionar desde o início entre os 20 primeiros até a terceira montanha e não forçar demais, assim teria 25% de prova no final para dar o máximo.

A prova iniciou às 5:00 com chuva e neve. A temperatura estava em 3º C e sensação de -2º C. Leia abaixo o relato de Thiago Orgélio.

Logo no início da prova o primeiro pelotão saiu em um ritmo muito forte. Escolhi sair no segundo pelotão, que fechava até aproximadamente o 20° colocado, mas com 5 km de prova recebi uma indicação errada de um staff e acabei saindo do caminho com outro atleta. Foram 4 minutos gastos para retornar e começar a fazer força até o primeiro PC para chegar em 15° (mas todos muito próximos ainda).

Pela frente enfrentei um bosque com muito barro e raízes que escorregavam muito. Ainda na escuridão iniciei a primeira grande subida – Cerro del Medio. Estava nevando e fazendo muito frio e o caminho tinha muitas pedras soltas e partes escorregadias. O maior desconforto era nas mãos. que pareciam estar congeladas.

Foto: Santiago Quiroga

O caminho para a segunda montanha passava por um pedaço da cidade, onde a estratégia foi manter uma velocidade sem se desgastar e continuar comendo e hidratando para salvar energia, inciando assim a subida da segunda montanha – Cerro Cortez – por um caminho bem pisado, pois os atletas dos 85 Km já tinham passado por ali. O gelo e o barro não permitiam manter uma boa velocidade.

Nas descidas e antes de chegar à terceira montanha passamos pelo Valle do Carabajal, onde consegui aumentar um pouco a velocidade para chegar em 13° e onde iniciei a ultrapassagem dos primeiros atletas dos 85 km, que faziam boa parte do trajeto.

Reconheci um atleta do Equador que conheci a 2 anos na Valholl Cordoba e fizemos a terceira montanha, linda Laguna Turkesa, onde os brasileiros da organização da Paraty estavam fazendo turismo e aproveitaram para dar um apoio moral. Seguimos subindo para a Laguna del Ausente, Laguna Tricolor e Submarino.

A descida desta montanha era muito técnica e alguns pontos tinham cordas para auxiliar. Isso exigiu muito das pernas e não dava para diminuir o ritmo porque tinham vários atletas perto. Teoricamente entraríamos na parte mais fácil da prova pela pouca altimetria e então mudei de estratégia e aumentei a velocidade. Mas foi aí que conheci a famosa Tundra, que é um terreno que parece um charco, onde muitas vezes não é possível correr pois o pé está debaixo d’agua.

A troca de posições entre do 9° ao 15° colocados eram constantes. Como cada atleta tinha suas características, cada um acabavam puxando o ritmo no que era melhor (subidas, descidas, partes mais “corriveis”).

No próximo ponto de controle encontramos o Dropbag – local onde passaríamos 3 vezes – e foi lá o momento mais especial da prova. Este ponto era o único lugar que poderíamos ter apoio externo e eu estava sozinho. Mas quando cheguei no PC fui surpreendido pelo time da UTMB Paraty, que deu um super suporte para os brasileiros.

Além da super energia, ajudaram também na transição. Nos 3 loopings comi um prato de macarrão quente que levantou a moral. Cheguei em 13° e saí em 10°. As transições foram muito rápidas e efetivas e minha preocupação era não subir o Cerro Castor à noite para não passar o frio que tinha passado pela manhã no Cerro Medio.

Com a moral alta, saí para o próximo ponto e mais uma vez enfrentamos um trecho longo de Tundra. Eu já estava dando o máximo e acompanhado de perto por um argentino local e infelizmente não consegui acompanhá-lo.

O próximo ponto de controle era na Laguna Esmeralda e esta parte foi a mais desesperadora da prova, porque era um bate volta e poderia calcular o tempo que estaria à frente dos demais. Foi a hora de fazer a maior força possível para tentar abrir e desanimar os demais participantes. Estava 5 minutos atrás de um argentino, 6 minutos atrás de um francês e 14 minutos na frente do 11º, 12º, 13º e 14° que estavam juntos.

Fiquei mais nervoso ainda, porque sabia que poderia perder estas 4 posições. Escureceu e o medo de perder o caminho aumentou. Quase não encontrava mais os atletas do 85 Km que estavam no mesmo caminho de volta.

Cheguei no antepenúltimo PC (107,6 km), enchi uma garrafa de água, comi 2 pedaços de banana e saí. Olhava constantemente para trás, sabia que não poderia tirar o pé, mas as pernas já estavam cansadas. Este trecho era muito “corrivel” pois passamos do lado de uma rodovia. Sabia que não poderia andar nenhum minuto.

Fiz força até o PC no km 116 que era o Vale de Lobos e novamente fiz um parada rápida e saí para o PC Rio Olivia, Com muito barro e progressão lenta, estes 13 km pareceram uma eternidade.

Faltando 2 km para chegar no último PC, o japonês Wataru, grande figura do UTMB, passou correndo em uma subida técnica de trilha. Ele era um dos atletas de elite apresentado na abertura. Fiz o máximo para conseguir acompanhá-lo, mas o japonês acabou abrindo. Foi aí que bateu o desespero. Se ele chegou, todos os outros 3 atletas que estavam junto com ele na Laguna Esmeralda poderiam chegar.

Não sei de onde consegui forças para correr os últimos 6,5 km, sendo que 4 deles eram na cidade. Olhava para trás constantemente, era desesperador, mas no final consegui terminar a prova em exatamente 19 horas.

No resultado final ficou 7 minutos atrás do japonês e 24 minutos na frente de um outro Argentino (não precisava ter feito tanta força no final rsrs).

Passar o pórtico de uma UTMB é sempre uma mistura de sentimentos. Primeiro vem o alívio de ter finalizado uma prova que foi preciso muita dedicação aos treinos, investimento financeiro e a felicidade de ter realizado mais um sonho.

Muito diferente da corrida de aventura, a chegada desta prova estava cheia de pessoas, inclusive os amigos que foram feitos no Ushuaia. Isso é muito legal e emocionante.

Meu próximo desafio será os 500 km de corrida de aventura da Malacara Expedition Race na Chapada Diamantina com a equipe BOA Brasília Outdoor Adventure, equipe tricampeã brasileira e a atual campeã ARWS Brasil e foi vice-campeã da final sul-americana no Uruguai em Fevereiro de 2025. E já estou pensando também na UTMB Equador e Paraty.

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